1. Epidemiologia
A Febre Maculosa Brasileira é a riquetsiose mais severa e ocorre principalmente no Sudeste do país. É uma zoonose febril aguda, sua gravidade é variável, podendo ocorrer formas subclínicas (assintomáticas) ou formas graves, com alta mortalidade. O agente etiológico é a bactéria gram-negativa intracelular obrigatória Rickettsia ricketsii.
Desde 1929 há relatos da doença no Brasil, segundo o Ministério da Saúde. Nos últimos anos, constatou-se um aumento no número de casos de Febre Maculosa no Brasil. Portanto, no Brasil a febre maculosa é endêmica em diversas regiões, principalmente na região Sudeste (tendo São Paulo como principal representante). Os casos de óbitos de febre maculosa na região Sudeste são consideráveis.
Na febre maculosa o principal vetor é o carrapato estrela (Amblyomma cajennense). O homem é infectado por meio da picada do carrapato e não pelas fezes. A transmissão se faz quando o carrapato permanece aderido no hospedeiro por, no mínimo 4 a 6 horas. Não ocorre transmissão entre os humanos. Afirma-se que quanto maior a densidade populacional de hospedeiros de uma determinada região, maior será a população de carrapatos.
Em 1996, elaborou-se um programa de vigilância nas regiões de Campinas e São João da Boa Vista, devido a grande incidência nestas áreas. Portanto, a doença passou a ser de notificação compulsória nestes dois municípios. A suspeita diagnóstica e o tratamento precoce são medidas fundamentais para prevenir o óbito. É importante lembrar que as medidas de controle mais importantes estão voltadas à educação e informação da população a respeito da doença.
2. Quadro clínico
Os principais sintomas da doenças são febre, cefaléia, mialgia, máculas, mal-estar geral, náuseas, vômitos e exantema, podendo ocorrer também edema de membros inferiores, dor abdominal, hepatoesplenomegalia, manifestações renais, pulmonares, neurológicas e hemorrágicas.
A patogenia da doença está relacionada à proliferação de rickéttsias no endotélio de pequenos vasos, levando a distúrbios circulatórios no organismo do paciente acometido. As lesões vasculares são disseminadas e constituem a base fisiopatológica da doença, caracterizando o quadro clínico com edema (acúmulo de líquido no espaço intersticial), hipotensão, necrose tecidual local e distúrbios da coagulação, com coagulação intravascular disseminada.
O período de incubação varia de 2 a 14 dias, com média de 7 dias, ou seja, o tempo entre a picada do carrapato e o aparecimento de sintomas. O início geralmente é súbito e os primeiros sintomas, normalmente são inespecíficos, como febre elevada que dura aproximadamente 2 a 3 semanas, acompanhada de cefaléia, mialgia intensa, náuseas, vômitos e mal-estar generalizado. Entre o segundo e o sexto dia, aparece o exantema que é máculo-papular róseo que predomina em regiões palmar e plantar e irradia para tronco, face e pescoço, podendo evoluir com petéquias, equimoses e hemorragia. A doença pode evoluir gravemente, por duas a três semanas, podendo ocorrer necrose nas áreas de sufusões hemorrágicas, devido à vasculite generalizada. A face é congesta e infiltrada, com edema peripalpebral e infecção conjuntival. Pode ocorrer edema de membros inferiores, manifestações gastrintestinais, neurológicas, hemorrágicas, pulmonares (tosse, edema pulmonar, derrame pleural), hepatoesplenomegalia, infartos e isquemia (devido à obstruções de vasos sanguíneos), torpor, agitação psicomotora e sinais meníngeos.
3. Diagnóstico Diferencial
O diagnóstico diferencial no início do quadro é feito com leptospirose, sarampo, febre tifóide, dengue, febre amarela, meningococcemia, Lúpus, doenças exantemáticas, febre purpúrica brasileira, doença de Lyme e sepses.
4. Diagnóstico laboratorial
Exames inespecíficos
Hemograma – são comuns a anemia e trombocitopenia. A redução do número de plaquetas é um achado comum e auxilia no diagnóstico. Os leucócitos podem estar normais, aumentados ou diminuídos, podendo apresentar desvio para a esquerda ou não.
Enzimas – creatinoquinase (CK), desidrogenase lática (LDH), transaminases/aminotransferases (TGP/ALT e TGO/AST) e bilirrubinas estão geralmente aumentadas.
Exames específicos
Pesquisa indireta através de métodos imunológicos
Reação de imunofluorescência indireta (IFI) – é o método sorológico mais utilizado para o esclarecimento diagnóstico das rickettsioses, sendo considerado padrão-ouro e o mais disponível na rotina laboratorial. A IFI é uma reação de alta sensibilidade e especificidade que pode ser utilizada para a pesquisa de imunoglobulinas específicas da classe IgM e da classe IgG. Em geral, os anticorpos são detectados entre o sétimo e o décimo dia de doença. Títulos de anticorpos superiores ou iguais a 1:64, em uma única amostra, ou uma diferença de quatro vezes no título de anticorpos observada em duas amostras pareadas de soro, coletadas de 2 a 4 semanas entre elas, são os requisitos para confirmação diagnóstica através da sorologia.É pertinente lembrar que o resultado deve ser interpretado dentro de um contexto clínico e epidemiológico. Assim, a presença de um resultado sorológico positivo pela IFI, na ausência de um quadro clínico, não nos autoriza dizer que se trata de febre maculosa, pois existem outras Rickettsias não-patogênicas do grupo da febre maculosa que podem determinar reação cruzada.
Pesquisa direta da Rickettsia através de histopatologia/imunohistoquímica – a partir de amostras de tecidos obtidas por meio de biópsia de pele e das petéquias de pacientes infectados, em especial os graves, ou material de necropsia como fragmentos de pele com lesões, pulmão, fígado, baço, coração, músculos e cérebro. Todos esses espécimes clínicos devem ser encaminhados ao laboratório de referência para rickettsioses.
Técnicas de biologia molecular: reação de polimerase em cadeia (PCR)
Isolamento – o isolamento do agente etiológico é feito a partir do sangue e/ou fragmentos de tecidos (pele, pulmão) obtidos por meio de biópsia, além do próprio carrapato retirado do paciente. As amostras de tecido deverão ser imersas, preferencialmente, em infusão cérebro-coração (Brain Hearth Infusion – BHI) e encaminhadas ao laboratório em baixas temperaturas, em recipiente estéril. Na impossibilidade de BHI, o material poderá ser acondicionado em solução fisiológica estéril. Em relação ao vetor eventualmente coletado do paciente, o mesmo deverá ser acondicionado em frasco seco estéril, sem BHI ou qualquer outra solução e encaminhado ao laboratório em baixas temperaturas. Este procedimento é limitado, pois além de ser realizado sob condições de biossegurança NB3 não permite o diagnóstico precoce.
Todas as amostras deverão ser encaminhadas imediatamente em isopor com gelo comum ou em gelo seco ou balão de nitrogênio líquido. Quando não puder ser encaminhado, o material deverá ser armazenado a menos 70ºC. Os tubos deverão estar devidamente identificados (tipo de amostra, data da coleta de material). Nos recipientes contendo vetor artrópode, deverão constar informações sobre sua origem (nome do paciente) e data da coleta. Encaminhar ficha com informações clínico-epidemiológicas e laboratoriais correspondentes às amostras enviadas do paciente.
4 comentários:
Boa tarde,
Cada fêmea de carrapato infectada pode gerar até 16 mil filhotes aptos a transmitir rickettsias. A febre maculosa é mais comum entre abril e outubro, porque nesse período predominam as formas jovens do carrapato. São menores que os adultos, passam despercebidas, conseguem ficar fixadas à pele das pessoas por mais tempo e, portanto, têm mais chance de transmitir as bactérias.
Caso não seja possível evitar áreas infestadas por carrapatos, é importante usar calças compridas e blusas de manga, assim como verificar constantemente se algum deles grudou na pele. O risco de se contrair febre maculosa diminui de forma acentuada se os artrópodes são imediatamente removidos. Entretanto, é preciso cuidado na hora de removê-los. Encostar a cabeça de um fósforo ainda quente no carrapato para forçá-lo a se soltar, não é aconselhável, pois o estresse sofrido pelo artrópode faz com ele libere grande quantidade de saliva, aumentando as chances de transmissão de rickettsias, segundo a pesquisadora Fernanda Marques- Fiocruz.
No que se refere à notificação, de acordo com o Ministério da Saúde, a febre maculosa é doença de notificação compulsória, devendo ser informada pelo meio mais rápido disponível e de investigação epidemiológica com busca ativa, para evitar a ocorrência de novos casos e óbitos.
Só a título de curiosidade , segundo a relatório 2010 da OMS, doenças tropicais geralmente negligenciadas, como o mal de Chagas, a lepra, a dengue e a leishmaniose, ainda afetam cerca de 1 bilhão de pessoas em 149 países do mundo, mas de forma “silenciosa. O Brasil é apontado no relatório como tendo incidência da maioria das 17 doenças tropicais listadas, que podem causar problemas como cegueira, úlceras e cicatrizes, dor severa, deformidades e danos em órgãos internos e no desenvolvimento físico e mental do paciente. Certamente isso é revoltante...
A introdução precoce do tratamento com antibióticos reduziu significativamente a mortalidade, de aproximadamente 20 para 7%. O tratamento precoce evita a maioria das complicações.
Não há vacinas eficazes disponíveis. Não há nenhuma forma prática para eliminar carrapatos de áreas inteiras, mas as populações podem ser reduzidas em áreas endêmicas pelo controle dos pequenos animais. Evitar o acesso do carrapato à pele inclui colocar a barra da calça por dentro das botas ou meias, usar camisas de mangas compridas e aplicação de repelentes com 25 a 40% de dietiltoluamida (deet) na pele. Permetrina nas roupas repele carrapatos com eficácia, mas já foram descritas reações tóxicas em crianças. Deve ser praticada boa higiene pessoal, com procuras freqüentes de carrapatos, particularmente nas crianças. Carrapatos ingurgitados devem ser removidos com cuidado e não esmagados entre os dedos, por causa do perigo de transmissão. A tração gradual da parte cefálica com uma pequena pinça remove o carrapato. O ponto de aderência deve ser lavado com álcool.
No caso da picada por carrapato em área endêmica conhecida, e na ausência de manifestações clínicas é melhor não administrar antibióticos imediatamente, mas alertar o paciente ou seus pais sobre os primeiros sinais clínicos. Se surgirem febre contínua, cefaléia e mal-estar, com ou sem uma erupção, devem ser introduzidos antibióticos eficazes contra rickéttsias imediatamente.
Todas as rickettsioses necessitam de quimioterapia específica e cuidados de suporte.
O alívio imediato dos sinais e sintomas ocorre se a terapia for instituída precocemente, quando a erupção acaba de aparecer. Como os pacientes não tratados com febre maculosa podem ficar agonizantes ou morrer antes que os dados sorológicos definitivos estejam prontos, o tratamento deve começar tão logo seja feito um diagnóstico presuntivo. Geralmente se nota melhora clínica evidente dentro de 36 a 48h, com defervescência em 2 a 3 dias.
As tetraciclinas e o cloranfenicol são especialmente eficazes; são rickettsiostáticos, não rickettsiacidas. Os esquemas antibióticos ideais incluem dose oral inicial de 25mg/kg de tetraciclina ou 50mg/kg de cloranfenicol. As doses diárias subseqüentes da mesma quantidade são divididas igualmente e administradas a intervalos de 6 a 8h, até que o paciente melhore e esteja afebril durante aproximadamente 24h. São usadas preparações IV em pacientes em estado muito grave para ingerir medicação VO.
Em pacientes atendidos pela primeira vez tardiamente na evolução da doença grave, a melhora é mais lenta e a febre tem maior duração. Em pacientes moderada ou levemente acometidos, estas alterações estão ausentes, tornando o tratamento menos complicado. Pacientes graves, atendidos em estágios tardios de doença grave, podem receber grandes doses de corticosteróides em combinação com antibióticos específicos durante aproximadamente 3 dias.
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