INTRODUÇÃO
A doença de Chagas, causada pelo protozoário Trypanosoma cruzi, é uma infecção generalizada, essencialmente crônica transmitida naturalmente ao homem e aos animais por intermédio de hemípteros hematófagos da subfamília Triatominae (REICHE,1996). Segundo NAGAIASSU(2000), esta parasitose representa uma preocupação para a saúde pública em muitos países da América Latina.
As formas reconhecidamente habituais de transmissão da doença são aquelas ligadas diretamente ao vetor, a transfusão de sangue, a via congênita e, mais recentemente, as que ocorrem pela via oral, pela ingestão de alimentos contaminados, dentre outras menos comuns envolvidas(FIOCRUZ, 2010).
A principal via de transmissão atualmente é a vertical, ou transplacentária, e pode ocorrer em qualquer fase da doença materna: aguda, indeterminada ou crônica. A transmissão também pode se dar em qualquer época da gestação, sendo mais provável no último trimestre, ou na passagem no canal do parto, através do contato das mucosas do feto com o sangue da mãe infectada (FIOCRUZ, 2010).
Segundo Gontijo et al (2009), a infecção materna pelo T. cruzi pode afetar o crescimento e a maturidade dos fetos infectados, podendo causar aborto, prematuridade, crescimento intrauterino retardado e malformações fetais.
A doença de Chagas congênita é considerada aguda e, portanto, de notificação obrigatória (Ministério da Saúde, 2005).
RELATO DE CASO
Mulher de 23 anos, casada, desempregada, natural e residente em Riachão das Neves-BA (próximo a Barreiras-BA).
Paciente deu entrada no HRAS no dia 13/02/2005 às 23h e 45min, procedente de Barreiras, com história de parto vaginal gemelar em domicílio, no dia 13/02/2005 à 1h e 20min. Recém –nascidos (RN) prematuros com 30 semanas.
Realizou 3 consultas de pré-natal. Nega intercorrências na gestação. Ciclos menstruais irregulares de 20/5 dias. VDRL : Não reagente.Tipo Sangüíneo: B positivo. Nega transfusões sangüineas. Morou no campo até os 13 anos.
O primeiro gêmeo deu entrada no dia 13/02/2005 às 23h e 45min, com 23h de vida. Sexo masculino. Peso ao nascer: 950g (baixo peso). Comprimento fetal: 36cm. RN apresentava desconforto respiratório (Rx: pneumonia), palidez e hipoatividade.
Conduta Médica:
• Infundido concentrado de hemácias 10ml/kg (14/02/2005).
Terapêutica:
• Ampicilina + Gentamicina(13/02 por 5 dias).
• Mudada para Vancomicina no dia 18/02 (usado por 5 dias) - resultado da hemocultura ( Cocos Gram+).
• Trocada para Oxacilina no dia 23/02 (por 15 dias) - resultado da hemocultura (S. Aureus).
• Associado Meropenen no dia 02/03 (por 12 dias) - resultado do Rx (Infiltrado pneumónico).
• Introduzido Vancomicina no dia 18/03 (por 14 dias) - resultado da hemocultura + p/ S. Epidermidis (21/03).
• Introduzido Ciprofloxacina no dia 31/03 (conduta mantida) - piora do quadro.
Resultado:
• Evoluiu com piora do quadro séptico (31/03), dos sintomas respiratórios e apresentou colestase
• No dia 15/03 foi detectada, por acaso, presença de vários T. cruzi em amostra de sangue periférico.
• Realizado sorologia para D. Chagas.
• Realizado também Strout que evidenciou 150mil parasitas/mm³.
• Introduzidobenzonidazol no dia 17/03.
• O segundo gêmeo deu entrada no dia 13/02/2005 às 23h e 45min, com 23h de vida.Sexo feminino. Peso ao nascer: 1250g(baixo peso).Comprimento fetal: 37cm. RN apresentava desconforto respiratório (Rx: pneumonia) e icterícia leve.
Conduta Médica:
• Terapêutica
• Ampicilina + Gentamicina(13/02 por 7 dias).
• Introduzido Meropenen no dia 24/02 (usado por 15 dias).
• Introduzida Anfotericina B no dia 25/03 (conduta mantida).
• Introduzido Vancomicina no dia 29/03 (por 2 dias) – resultado de hemocultura no dia 28/03 evidenciou Klebsiella, leveduras.
• Introduzido Amicacina no dia 29/03 (conduta mantida).
• Introduzido Meropenen no dia 01/04 (conduta mantida).
Resultado:
• Evoluiu com piora do quadro infeccioso, com displasia broncopulmonar, em ventilação mecânica, colestase, icterícia e hipoatividade ao manuseio.
• Rx realizado 03/04 revelou displasia broncopulmonar.
• No dia 15/03 o achado parasitológico do 1° gêmeo incentivou a pesquisa por T. cruzi no 2° gêmeo.
• Realizado Strout que evidenciou 1 a 5 parasitas por mm³.
• Introduzidobenzonidazol no dia 18/03.
DISCUSSÃO
A Doença de Chagas é um exemplo de doença com importante componente epidemiológico de transmissão vertical, ou seja, o recém nascido pode pegar a doença via placenta, líquido amniótico e por meio do sangue caso haja contato do mesmo com as mucosas do recém-nascido, tanto intra-útero, durante ou após o parto. A confirmação de infecção congênita se dá com a constatação do T. cruzi no RN até 5 dias após o nascimento e antes da primeira mamada. Uma característica que se destaca na infecção congênita de Chagas é que quanto mais precoce se dá a infecção aguda durante a gestação maior o risco de transmissão para o feto. (Moretti et al., 02/2005), sendo que a infecção ocorre principalmente após o 1° trimestre.
Na maior parte dos casos de Chagas congênito a placenta se encontrará alterada. Este fato é tido como causa de prematuridade, baixo peso e risco aumentado de morbimortalidade. As infecções causadas pelo T. cruzi atingirá normalmente o SNC, coração, fígado, trato digestivo e a pele, além de causar manifestações clinicas como febre, taquicardia (devido à miocardite e anemia), palidez de pele e mucosas, icterícia, petéquias e edema. Sinais neurológicos, inapetência, problemas oculares, hepatomegalia (freqüente), leucocitose, hipoalbuminemia são outros achados que podem culminar no diagnostico de Chagas congênito, que por sua vez pode gerar complicações no paciente como ICC, cardites, meningoencefalítes, calcificações cerebrais, infecções intercorrentes e óbito.
CONCLUSÃO
O número de casos da Doença de Chagas Congênita têm aumentado significativamente, trazendo prejuízos para a saúde do feto, que pode ainda ser contaminado durante ou pós parto. Os critérios de cura referem- se a negativação total e permanente das provas parasitológicas e sorológicas. A prevenção é a melhor solução e dentre elas constam: o pré-natal, pois nele pode- se fazer o diagnóstico materno precoce e em casos que a mãe é portadora, aconselha- se não amamentar, mas ainda há controvérsias pelos poucos casos relatados.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
• REICHE, Edna Maria V et al.Doença de Chagas congênita: epidemiologia, diagnóstico laboratorial, prognóstico e tratamento. J. pediatr. (Rio J.). 1996; 72(3):125-132: Doença de Chagas Congênita, imunodiagnóstico, Trypanosoma cruzi.
• Ministério da Saúde do Brasil. Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde Vol. 38 (Suplemento III), 2005.
• NAGAIASSU et al. Congenital Chagas disease: case report of newborn infant with hydropsy. Sociedade Brasileira de Pediatria. Jornal de Pediatria - Vol. 72, Nº3, 1996 p.125 a 132.
• ANDRADE, André Queiroz de; GONTIJO, Eliane Dias. Triagem neonatal para infecção chagásica congênita: aplicação de análise de classe latente para avaliação dos testes diagnósticos. Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical 41(6):615-620, nov-dez, 2008.
• GONTIJO, Eliane Dias; SANTOS, Silvana Eloi. Mecanismos principais e atípicos de transmissão da Doença de Chagas.
• Disponível em: http://www.fiocruz.br/chagas/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?sid=173
• Acesso em: 07 nov. 2010.