Recentemente foi publicado no JN que o sarampo e a rubéola haviam sido eliminados em Portugal, apesar da utilização correta do conceito epidemiológico nesta caso, muitos jornais afirmaram diferentemente que as doenças haviam sido erradicadas em solo Lusitano. O uso destas expressões causa comoção e impacto popular e reforçam a ação política da saúde pública, abaixo as definições mas precisamente descritas de acordo com o dicionário de epidemiologia de Last:
1)controle: regular, diminuir - quando aplicado à eventos de saúde pública significa a execução de ações ou programas com objetivo de reduzir a incidência e/ou a prevalência destes eventos para se chegar a sua eliminação.
2)Eliminação: Redução da transmissão para um nível predeterminado muito baixo. ex: a eliminação da tuberculose como um problema de saúde pública foi definido pela OMS como a redução da prevalência para um nível inferior a 1 caso por milhão de pessoas. Nesta situação há necessidade de persistência das medidas de controle.
3)Erradicação: término de toda a transmissão pelo extermínio do agente infeccioso por meio da vigilância e contenção. O termo erradicação é absoluto, não admite variação. A erradicação de uma doença somente pode ser considerada quando não são mais necessárias as medidas de controle.
Em alguns documentos há a referência para a erradicação regional, como no caso da poliomielite nas Américas. Este termo é impreciso, pois ainda há necessidade de se manterem as medidas de imunização contra a polio pela possibilidade de importação de casos. No exemplo da notícia supramencionada, em Portugal alcançou-se a eliminação do sarampo e da rubéola, pois ainda há circulação do agente em outros países próximos.
Médico infeciologista. Mestre e Doutor em Medicina Tropical. Autor do Livro Lições de Epidemiologia
terça-feira, setembro 20, 2016
domingo, setembro 18, 2016
Origem do Ensaio Clínico Randomizado - Origins of Randomized Clinical Trial.
É interessante como repetimos conceitos e fatos sem ao menos sabermos como eles se originaram. Esta semana foi publicado na NEJM (link aqui) um interessante histórico de como se estabeleceu a metodologia que apresenta um elevado poder de gerar evidências.
Hoje qualquer medicamento ou intervenção tem que ser testada por meio de ensaios clínicos randomizados, no entanto este delineamento de pesquisa tem origem recente, mais precisamente o primeiro ECR foi realizado em 1948 para teste da estreptomicina no tratamento da tuberculose. A sua evolução se deu em decorrência do desenvolvimento da medicina a partir do fim do século XIX, novas descobertas precisavam ser testadas para avaliar sua utilidade na prática clínica.
Uma estratégia inicial consistia na comparação de grupos alternados, isto é, a separação entre quem iria receber a intervenção e o grupo controle se dava por critérios não aleatórios, o que suscitou questionamentos acerca da validade desta abordagem. Muitos médicos selecionam os pacientes a partir de critérios de gravidade ou mesmo por compaixão.
Em 1931 foi publicado um artigo sugerindo que os pacientes fossem selecionados por meio técnica de lançamento de moedas com o objetivo de criar grupos uniformes. Entretanto, a alocação alternada de pacientes representava o main stream e prevaleceu até meados do século XIX.
Em 1940, Bradford Hill (o mesmo do estudo sobre tabagismo e câncer de pulmão), preocupado com a validade desta metodologia, sugeriu que a alocação alternada fosse substituída pela alocação aleatorizada (randomizada). Em 1962 o congresso americano aprovou a necessidade de se realizar ECR para aprovação de medicamentos por parte do FDA. Desde então o ECR é considerado como padrão.
English Version:
English Version:
It is
interesting how we repeat concepts and facts without even knowing how they have been originated. This week was published in the NEJM (link here) an interesting
history of how the methodology was established that has a high power to
generate evidence.
Today any
drug or intervention has to be tested through randomized clinical trials. However this research design has a
recent origin, more precisely the first RCT was performed in 1948 for the test
of streptomycin in the treatment of tuberculosis. The evolution occurred as a result of the development of medicine
from the end of the nineteenth century; new
discoveries need to be tested to evaluate
its usefulness in clinical practice.
An initial
the strategy was the comparison of alternating groups, that is, the separation
between who would receive the intervention and the control group was based on
non-random criteria, which raised questions about the validity of this
approach. Many doctors select patients from criteria of severity or even
compassion.
In 1931, an
article was published suggesting that patients should be selected through a the coin-throwing technique to create uniform groups. However, alternating patient
allocation represented the mainstream and prevailed until the mid-nineteenth
century.
In 1940, Bradford
Hill (the same as in the study on smoking and lung cancer), concerned about the
validity of this methodology, suggested that alternate allocation is replaced by randomized (randomized)
allocation. In 1962, the US Congress approved the need to conduct ECR for FDA
approval of drugs. Since then ECR is considered the standard.
sábado, maio 14, 2016
Transmissão transfusional do Zika
Zika vírus é um flavivírus descoberto pela primeira vez em 1947. O risco de transmissão transfusional por outros vírus da mesma família é conhecido, principalmente para o dengue e West Nile virus. A transmissão transfusional pelo Zika foi documentada pela primeira vez no Brasil em 2015. Em áreas com transmissão do vírus deve-se estabelecer estratégias no sistema de sangue e hemoderivados de forma a manter os estoques disponíveis para as necessidades dos serviços de saúde.
Medidas recomendadas para se evitar a transmissão transfusional:
1)Em zonas não endêmicas deve-se recomendar que se evite a doação de sangue por período de 14 dias após retorno de área de transmissão e após 28 dias após resolução dos sintomas em pessoas com doenças documentada (mesmo para dengue). No caso de indivíduos que tiveram Zika é também recomendada a aplicação de medidas de inativação viral no sangue doado.
2)Implementação de testagem dos doadores com testes de biologia molecular, esta estratégia encarece o processamento dos hemoderivados e também necessita de equipamentos e técnicos para sua realização, no entanto mostrou-se eficaz durante a epidemia na Polinésia Francesa.
3)Inativação do vírus nos hemoderivados por meio de tratamento com Amatosalen e iluminação com raios UV. Esta estratégia mostrou-se eficaz contra o ZIKV e também contra outros arbovírus.
4)Gestantes só devem receber hemoderivados comprovadamente negativos para ZIKV.
Urbanização da Hantavirose, problema emergente.
Figura - Fonte CDC
A aquisição de hantavirose está relacionada quase exclusivamente à atividade rural, nos períodos de colheita, quando os silos das fazendas se encontram abastecidos e atraem os roedores que se alimentam principalmente dos grãos estocados. O homem adquire a infecção pela inalação de excretas de roedores infectados e o ambiente fechado e privado de iluminação natural favorece a concentração dos aerossóis contaminados, aumentando a possibilidade de aquisição da doença pelo homem. A doença afeta principalmente adultos jovens do sexo masculino. No entanto cada vez mais se detectam casos ligados à transmissão em zonas rurais como recentemente na Província de Azul, na Argentina (Morte de Criança por Hantavirose na Argentina). No Distrito Federal do Brasil também há relatos de casos em áreas periurbanas. Abaixo uma pequena introdução à Hantavirose; adicionalmente sugiro este artigo de revisão para aprofundamento do conhecimento acerca da doença.
A hantavirose é uma doença zoonótica, transmitida ao homem por meio da inalação de excretas de roedores silvestres, amplamente distribuída no Mundo. Na atualidade é considerada doença emergente e constitui importante problema de saúde pública. Nas Américas, a manifestação clínica predominante da doença é Síndrome Pulmonar e Cardiovascular por Hantavírus (SPCVH) .
A doença ganhou reconhecimento
pela medicina ocidental, pela primeira vez, durante a Guerra da Coréia, no
início da década de 50, e se propagou, no ano de 1993, para diversos países da
América. Os primeiros casos da
doença nesse continente foram diagnosticados no ano de 1993, em um surto na
região de Four Corners, no sudoeste
dos Estados Unidos. Atualmente, a virose se encontra distribuída globalmente
atingindo a Europa, a Ásia e as três Américas, sendo que, na América do Sul, os
principais países atingidos são Brasil, Argentina, Chile e Paraguai .
Existem duas
formas clínicas distintas de hantavirose: a Febre Hemorrágica com Síndrome Renal
(FHSR), que ocorre na Ásia e na Europa e possui evolução benigna, e a SPCVH,
forma que ocorre nas Américas e possui alta letalidade. Ambas são doenças
sistêmicas febris que podem acometer diversos órgãos. Na FHSR, o rim é o
principal envolvido, enquanto que na SPCVH os principais órgãos afetados são os
pulmões e o coração .
O agente
causador da hantavirose é o Hantavírus,
um vírus esférico e envelopado de RNA de fita simples, pertencente à família Bunyaviridae. Quatro membros desse
gênero causam FHSR e cerca de duas dezenas causam SPCVH. Cada um deles infecta
roedores específicos e a sua nomenclatura deriva da região onde foi
identificado pela primeira vez .
O Hantavírus é transmitido ao homem por
roedores, principalmente silvestres, de diversos gêneros e espécies, que
abrigam o vírus sem, no entanto, apresentarem a doença. No continente americano
os principais reservatórios são os roedores silvestres da ordem Rodentia, família Muridae e subfamília Sigmodontinae.
Já nos continentes asiático e europeu, os principais roedores envolvidos pertencem
à subfamílias Murinae e Arvicolinae, particularmente aos gêneros
Apodemus e Clethrionomys .
Os
roedores eliminam os vírus na urina, nas fezes e na saliva e a transmissão
ocorre por inalação de aerossóis contendo partículas virais, formados por
ressecamento dessas secreções. Outras formas de transmissão mais raras são:
mordedura de roedores, ingestão de alimentos contaminados com secreções desses
animais e contato com excretas contendo o vírus com posterior introdução em
mucosas. Também foi evidenciada infecção por transmissão interpessoal no Chile
e na Argentina.
quarta-feira, maio 11, 2016
Febre de Oropouche - Oropouche fever
Figura - Regiões das Américas com relato de ocorrência de casos humanos de Febre de Oropouche (fonte: CAD. SAÚDE COLET., RIO DE JANEIRO, 15 (3): 303 - 318, 2007)
A Febre de Oropouche é uma doença viral transmitida por artrópodes. O vírus causador pertence à família Bunyaviridae e o seu transmissor é uma pequena mosca (3 mm) hematófaga Culicoides paraensis (maruim). São insetos encontrados em regiões ribeirinhas e alagadas com abundância de matéria orgânica. Outros vetores também mostraram-se capazes de transmitir a doença, como os mosquitos do gênero Culex e Aedes.
A doença foi descrita pela primeira vez no Pará e depois encontrada em outras regiões do estado do Amazonas. Recentemente um surto foi relatado em cidades do Peru (link: Oropouche em Cusco). No Brasil também já causou surtos no Maranhão (Porto Franco) e em Tocantins (Tocantinópolis) no fim da década de 80. Estudos recentes indicam que o Oropouche pode ser a responsável por mais da metade dos casos de doença febril aguda nas Regiões Amazônicas (principalmente Pará, Norte de Tocantis, Maranhão e Amazonas). Epidemias em vilarejos (zonas urbanas) são frequentes e chamam pouca a atenção das autoridades sanitárias nacionais.
A doença caracteriza-se por período de incubação de 3 a 5 dias com evolução para febre, mialgia, cefaleia, artralgia e fotofobia intensa. A duração dos sintomas costuma ser em média de 3 dias com evolução geralmente benigna, no entanto foram descritos casos com meningite asséptica. O quadro clínico se aproxima muito do observado na dengue, portanto a maior parte dos diagnósticos pode ser erroneamente atribuído à dengue.
O diagnóstico se realiza nomeadamente por meio de exames sorológicos e não há tratamento específico e nem vacinas disponíveis. A grande questão é a potencial capacidade de disseminação deste vírus para regiões mais populosas mais ao sul do Brasil, agregando complexidade ao diagnóstico diferencial e causando mais morbidade à população. A possibilidade de transmissão por mosquitos do gênero Culex e Aedes fortalece a necessidade de vigilância mais estreita aos casos de doença febril aguda em todos os estados brasileiros e países vizinhos.
English Version:
Oropouche
fever is a viral disease transmitted by arthropods. The causative virus belongs
to the family Bunyaviridae, and its
transmitter is a small fly (3 mm) hematophagous Culicoides paraensis (maruím).
They are insects found in Riverside
regions and flooded with an abundance of
organic matter. Other vectors were also able to transmit the disease, such as
the mosquitoes of the genus Culex and Aedes.
The disease
was first described in Brazil in Pará state and later found in other regions of
the state of Amazonas. Recently an outbreak has been reported in Peruvian
cities (link: Oropouche in Cusco). In Brazil, it has also caused outbreaks in
Maranhão (Porto Franco) and Tocantins (Tocantinópolis) in the late 1980s.
Recent studies indicate that Oropouche may be responsible for more than half of
the cases of acute febrile disease in the
Amazonian Regions Pará, North of Tocantins,
Maranhão, and Amazonas). Epidemics in
villages (urban areas) are frequent and draw little attention from national
health authorities.
The disease
is characterized by an incubation period
of 3 to 5 days with evolution to fever, myalgia, headache, arthralgia and
intense photophobia. The duration of the symptoms usually is in an average
of 3 days with generally benign evolution, nevertheless have been described
cases with aseptic meningitis. The
clinical picture is close to that observed in dengue, so most diagnoses can be erroneously
attributed to this virus.
The diagnosis
is made namely through serological tests,
and there is no specific treatment or vaccines available. The major issue is
the potential spread of this virus to more populated regions in southern
Brazil, adding complexity to the differential diagnosis and causing more
morbidity to the population. The possibility of transmission by mosquitoes of
the genus Culex and Aedes strengthens the need for closer surveillance to cases
of acute febrile illness in all Brazilian states and neighboring countries.
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